10 de maio de 2011

Três Textos de Eduardo Galeano

Estes três textos pertencem à obra "O Livro dos Abraços" de Eduardo Galeano. O Livro dos Abraços, do escritor uruguaio Eduardo Galeano, traz dezenas de histórias que ele ouviu ao longo de suas andanças pelo mundo... E assim, misturando histórias dos outros com a sua, misturando a história de seu país com a de outros, que Galeano monta o Livro dos Abraços. Aliás, o talento do uruguaio já começa pelo título que escolheu, pois cada história que conta é mesmo "abraçada" por outra, formando um mosaico de situações pessoais e sociais que ora indignam, ora comovem


A Casa das Palavras

Na casa das palavras, sonhou Helena Villagra, chegavam os poetas. As palavras, guardadas em velhos frascos de cristal, esperavam pelos poetas e se ofereciam, loucas de vontade de ser escolhidas: elas rogavam aos poetas que as olhassem, as cheirassem, as tocassem, as provassem. Os poetas abriam os frascos, provavam palavras com o dedo e então lambiam os lábios ou fechavam a cara. Os poetas andavam em busca de palavras que não conheciam, e também buscavam palavras que conheciam e tinham perdido.
Na casa das palavras havia uma mesa das cores. Em grandes travessas as cores eram oferecidas e cada poeta se servia da cor que estava precisando: amarelo-limão ou amarelo-sol, azul do mar ou de fumaça, vermelho-lacre, vermelho-sangue, vermelho-vinho...

A Função do Leitor/ 2

Era o meio centenário da morte de César Vallejo, e houve celebrações. Na Espanha, Júlio Vélez organizou conferências, seminários, edições e uma exposição que oferecia imagens do poeta, sua terra, seu tempo e sua gente. Mas naqueles dias Júlio Vélez conheceu José Manuel Castanón; e então a homenagem inteira ficou manca.

José Manuel Castanón tinha sido capitão na guerra espanhola. Lutando ao lado de Franco, tinha perdido a mão e ganho algumas medalhas.

Certa noite, pouco depois da guerra, o capitão descobriu, por acaso, um livro proibido. Chegou perto, leu um verso, leu dois versos, e não pôde mais se soltar. O capitão Castanón, herói do exército vencedor, passou a noite toda em claro, grudado no livro, lendo e relendo César Vallejo, poeta dos vencidos. E ao amanhecer daquela noite, renunciou ao exército e se negou a receber qualquer peseta do governo de Franco.

Depois, foi preso; e partiu para o exílio.

A Função da Arte/1
Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: — Me ajuda a olhar!




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