Os prémios valem o que valem e não acrescentam — nem retiram — a fracção de uma onça de grandeza aos contemplados.
Dito isto, e sendo que não há prémio desta natureza que possa propriamente fazer justiça a um autor como Manuel António Pina A escolha foi um desvio à monotonia habitual deste tipo de prémios de carreira, e ainda bem.
Arte Poética
Vai pois, poema, procura
a voz literal
que desocultamente fala
sob tanta literatura.
Se a escutares, porém, tapa os ouvidos,
porque pela primeira vez estás sozinho.
Regressa então, se puderes, pelo caminho
das interpretações e dos sentidos.
Mas não olhes para trás, não olhes para trás,
ou jamais te perderás;
e teu canto, insensato, será feito
só de melancolia e de despeito.
E de discórdia. E todavia
sob tanto passado insepulto
o que encontraste senão tumulto,
senão de novo ressentimento e ironia?
Poema incluído em Os Livros, ed. Assírio & Alvim, 2003
Aqui fica uma das geniais rimas infantis do Manuel António Pina.
A Ana tinha um ioiô muito bonito
que fazia tudo o que ela queria
quando ela dizia «para cima» o ioiô ia para baixo
quando ela dizia «para baixo» o ioiô ia para cima
Como gostava muito muito daquele ioiô
A Ana fazia de conta que não percebia
Para o ioiô ir para cima dizia «para baixo»
Para o ioiô ir para baixo dizia «para cima»
E como o ioiô gostava muito muito da Ana
Era o ioiô mais obediente que havia
Quando ia para cima fazia de conta que ia para baixo
Quando ia para baixo fazia de conta que ia para cima
(Gigões e Anantes, 1977)
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