3 de junho de 2014

«lâmina» de jaime rocha


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O título do livro contém em si variadas significações. Desde logo a vida com a música (suas lâminas) e os retratos, pinturas e orações mas também a morte (espadas) sem esquecer a botânica e a anatomia. Aqui se reúnem poemas já publicados em antologias, jornais e revistas entre 1990 e 2013, resgatando do relativo efémero um conjunto de poesias a ganhar vida nova neste volume. Uma parte substancial desta recolha são poemas dedicados a poetas e artistas cuja vida civil acabou mas que continuam na memória do Poeta: Fiama, Sophia, Ruy Belo, António Ramos Rosa, Mário Cesariny, Sylvia Plath e Elisabeth Siddal. Estas figuras, o seu legado e o discurso por si motivado ajudam a fixar aquilo que se pode considerar a paisagem e o povoamento deste livro: «E o mesmo poeta escreveu que a paisagem se tornou silenciosa /porque estamos infinitamente mortos / sobre um fundo dourado». O ponto de partida desta recolha rigorosa entre tanto material disponível é dado no espanto do homem: «o soluço do homem / em frente do seu próprio rosto». De um lado temos a cidade («Uma cidade perdida entre os telhados com uma estrada de fogo a cortar-lhe os braços»), do outro lado temos o homem na cidade: «Porque o homem pertence a um mundo / desfeito e a sua alma é puxada para / um abismo por duas cordas gigantes / presas ao seu corpo.» Entre a cidade e o homem, um rio sujo com mais de duzentos peixes mortos: «Esse rio existe nas ruínas, não está desenhado / num livro. Os corvos que lá vão também existem / porque bebem a água todas as manhãs. E isso / é um alimento sedutor. Alguém escreveu a tinta / junto à árvore do canto mais antigo das ruínas. / É onde antes iam mulheres lavar a roupa / e se banhavam mergulhando com os corvos / quase sempre para nunca mais voltar.»

(Editora: Língua Morta) José do Carmo Francisco --
 
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