26 de maio de 2011

Sugestão de Leitura - Caderno Afegão - Alexandra Lucas Coelho

Texto de Isabel Coutinho 

“Cabul parece uma aldeia em silêncio. Um cão a ladrar ao longe, um carro.”
Ela teve em cima da mesa “melancia fresca, frutos secos e chá perfumado com cardomo.” E foi guiada por taxistas que se chamam Zabi e que nasceram por trás daquelas colinas. E que lhe disseram, como nos dizem os taxistas nascidos em Alfama: “Mas já não vivemos aqui.” E andou por estradas más.
Houve momentos em que teve que tapar a cara. E esteve ao lado de mulheres com o útero de fora. E viu bébés com restos de cocó seco nas nádegas e espinha bífida. Um dia acordou com tiros atrás da parede da cama dela, como se estivessem no quarto. E em Kandahar, na noite de 16 para 17 de Junho, o céu tremeu.
“2h30. O céu treme. Trânsito de aviões, talvez explosões, ao longe. Cães a ladrar, carros na estrada mesmo por trás da minha cama, e mais um avião lá em cima. Não sei o que está a acontecer. Não sei em quem confiar. Ninguém diz quem é, nem o que faz. O que estou aqui a fazer? É como se o céu a todo o momento fosse explodir.A Alexandra vive quase ao cimo da minha rua e quando foi para o Afeganistão cortou o cabelo ainda mais curto do que quando foi para o Iraque ( e ela tem um dos mais longos e bonitos cabelos que conheço). Depois lá, no avesso do nosso mundo, teve momentos em que pensou: “Que dia mais longo.” E percebeu que na Grande Mesquita Azul “tudo estava virado para dentro”.
Um dia a Alexandra arrumou a bagagem toda e regressou. Tudo isto foi como ela diz: “um privilégio”.
E assim nasceu “Caderno Afegão”, um dos livros mais bonitos que eu já tive nas mãos escrito por alguém que quando escreve, o faz sempre tão bem (como afirma o Carlos no prefácio).
A Alexandra vai. A Alexandra parte. Nós ficamos todos aqui, em Lisboa, com o coração nas mãos. E sofremos com ela quando lhe roubam o computador, quando o dinheiro lhe acaba, quando os amigos que ela tem espalhados pelo mundo correm perigo de vida porque querem contar ao mundo o que se passa naqueles lugares onde não nos atrevemos a ir nem em sonhos.
Eu tenho muitos amigos que ao longo destes anos me abriram os olhos. Fui a lugares onde nunca estive a olhar nos olhos e a fixar (durante horas, minutos e segundos) os lábios do Adelino Gomes, do Pedro Rosa Mendes, do Paulo Moura, do João Carlos Silva, da Alexandra Prado Coelho e da Bárbara Reis. Eles vão sem medo. E regressam com medo, com pesadelos, com histórias que às vezes nem conseguem contar. A Alexandra conseguiu.

1 comentário:

  1. Gostei,li,pensei e revoltei-me:
    É uma revolta permanente,interior e que doi e parece, jamais ter cura... pelo menos neste pequeno mundo, pequeno onde meia "dúzia" de "homens",ditos humanos, tudo fazem, e nós deixamos fazer, para que cada vez estejamos mais longe de futuros com FUTURO.
    O que nos vale é esta comunicação social,escrita,falada ou televisiva, especialmente as noticias e os programas de entretenimento, são um mimo e muito esclarecedores para que vivamos descansados e tranquilos, porque "eles"...tratam-nos da saúde...
    ....temos que acordar!!!!
    DAX

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