No septuagésimo aniversário deste verdadeiro "monstro" da cultura folk, tomamos emprestado este magnífico texto de Sérgio Lavos, "republicado" no blogue Arrastão.
" No Direction Home, fabuloso testemunho dedicado a alguém que já está além da História – da sua injustiça suprema, dos seus ciclos inevitáveis de vida e morte. E acaba por ser tudo menos curioso que Bob Dylan, uma das mais perfeitas encarnações do Homem americano, tenha sobrevivido ao peso de o ser persistindo numa reclusão casmurra, encerrado numa misantropia que é o espelho do seu génio. O documentário de Scorcese esquiva-se a grandes teorias – sempre uma armadilha – e concentra-se nos pormenores. As entrevistas perigosas, no fio da navalha; o relato dos músicos que o acompanharam; a reacção do público conservador da música folk aos concertos electrificados da digressão de "Bringing It All Back Home" – o seu álbum esquizofrénico; a zanga com Joan Baez.
O mistério de Dylan fascina por ter criado uma obra que configura o espírito de um tempo. E Dylan apenas se tornou um mito quando se rebelou contra as suas raízes e se reinventou enquanto músico. Em 1965, Dylan previu o fim da utopia do movimento hippie? Não será assim, apenas prosseguiu o caminho de uma outra utopia; no caso, criativa, espaço de singularidade artística. O seu maior feito – que ele, como se vê em No Direction Home, acaba por desvalorizar em termos de importância simbólica. Scorcese capta o percurso feito de desvio e transgressão, focando o seu olhar nos pormenores, seja uma entrevista ao músico em que este é provocado por um jornalista de intenções duvidosas, seja no relato feito no tempo presente, em que Dylan se expõe revelando as sombras desconhecidas da sua história.
Ao conhecermos o músico na intimidade das histórias durante tanto tempo guardadas, compreendemos melhor a razão das mudanças que ocorreram nos últimos 40 anos na América. Mérito para Martin Scorcese. Partindo do particular para o universal, tornando a micro-história pista de leitura para a grande História, sobretudo asseverando a importância da cultura pop para o entendimento pleno de uma sociedade, Scorcese atingiu a perfeição. Que tenha assim sucedido em forma de documentário, não me parece que venha mal ao mundo. O cinema também pode servir como testemunha de um tempo que vai passando. Para sempre."
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