10 de fevereiro de 2011

Sugestão de Leitura



A actualidade dos textos de Orwell é assustadora. Num texto de 1946 sobre liberdade intelectual, qualquer semelhança com o presente não é mera coincidência


Não vivemos no meio de uma guerra, apenas de uma crise económica que faz outro tipo de vítimas, e já passaram mais de 50 anos, mas o mundo contado por George Orwell continua assustadoramente actual. O "Livros & Cigarros", recentemente editado pela Antígona, reúne vários ensaios do autor de "1984", um dos quais sobre a liberdade intelectual e a liberdade de imprensa. Apesar de escrito no período da Segunda Guerra Mundial, são inquietantes a actualidade e a oportunidade do texto "A Prevenção da Literatura", publicado em Janeiro de 1946 na revista britânica "Polemic". 

Diz Orwell: "O género de coisas que jogam contra ele [jornalista]" é "a concentração da imprensa nas mãos de meia dúzia de ricos"; "A independência do escritor e do artista vai sendo corroída por obscuras forças económicas"; "Os inimigos directos da honestidade e, como tal, da liberdade de pensamento, são os barões da imprensa, os magnatas da indústria cinematográfica e os burocratas"; e "Para exercer o direito de nos exprimirmos livremente, temos de lutar contra a pressão económica e contra franjas poderosas da opinião pública."

Podia ser hoje. Não é preciso pensar muito, basta olhar para os grupos de comunicação social, ver quem são os donos das rádios, dos jornais e dos canais de televisão, o que fazem e ao que vão. São sempre os mesmos, vão e voltam. Têm agendas próprias, cadernos de encargos e interdependências várias. Para além de, claro está, terem de dar lucro e, assim, satisfazer accionistas e, em parte, justificar a sua existência. É variado o que os move e o negócio é muito mais complexo, não vive apenas da verdade nem da liberdade de criticar. O jornalista não é livre e tem consciência dessa ausência de liberdade, segundo Orwell, "quando é obrigado a escrever mentiras ou a suprimir o que lhe parecem ser notícias importantes". 

Mas o mais grave, na opinião do autor, é que esta independência é, ao mesmo tempo, "minada por aqueles que deviam ser os seus defensores". Afinal, "os inimigos conscientes da liberdade são aqueles para quem a liberdade devia ter mais valor. Os cidadãos comuns estão-se nas tintas para a questão", nem tão- -pouco estão dispostos a fazer grandes esforços para a proteger, "não há uma corrente de opinião vigorosa". 

Orwell olhou à sua volta e citou, neste ensaio, o caso dos cientistas, admiradores acríticos da URSS, que pareciam não encontrar importância na destruição da liberdade, pois o seu campo de actividade não era atingido. "Quando assistimos à indiferença de homens cultos ficamos sem saber o que desprezar mais, se o seu cinismo, se a sua curteza de vistas", diz. Se há quem não se tenha dado conta, basta reler George Orwell: "Qualquer ataque à liberdade intelectual e ao conceito de verdade objectiva ameaça, a longo prazo, todos os sectores do pensamento." Podia ser hoje, também podia ser em Portugal.

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